O BRINCAR COMO UM MODO DE SER E ESTAR NO MUNDO
A autora inicia o texto citando os diferentes tipos de brincadeiras do universo da criança e que a experiência do brincar cruza diferentes tempos e lugares, passados, presentes e futuros, sendo marcada ao mesmo tempo pela continuidade e pela mudança. A criança, pelo fato de se situar em um contexto histórico e social, incorpora a experiência social e cultural do brincar por meio das relações que estabelece com os outros – adultos e crianças. Mas essa experiência não é simplesmente reproduzida, e sim recriada a partir do que a criança traz de novo, com o seu poder de imaginar, criar, reinventar e produzir cultura.A singularidade da criança nas suas formas próprias de ser e de se relacionar com o mundo; a função humanizadora do brincar e o papel do diálogo entre adultos e crianças; e a compreensão de que a escola não se constitui apenas de alunos e professores, mas de sujeitos plenos.
INFÂNCIA, BRINCADEIRA, DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
Segundo Borba a brincadeira é uma palavra estreitamente associada à infância e às crianças, de oposição ao trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano familiar. Porém a dimensão científica e a dimensão cultural e artística deveriam estar contempladas nas nossas práticas junto às crianças. Muitas vezes nos sentimos aprisionados pelos horários e conteúdos rigidamente estabelecidos e não encontramos espaço para a fruição, para o fazer estético ou a brincadeira.
Mas, a brincadeira está entre as atividades freqüentemente avaliadas por nós como tempo perdido. Isso é fruto da idéia de que a brincadeira é uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, uma vez que não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados. Seu lugar e seu tempo vão se restringindo à “hora do recreio”. Mas a brincadeira também é séria!
Os estudos da psicologia apontam que o brincar é um importante processo psicológico, fonte de desenvolvimento e aprendizagem. De acordo com Vygotsky (1987), o brincar é uma atividade humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos. Sua função principal seria facilitar o processo de socialização da criança e a sua integração à sociedade.
Quando, por exemplo, as crianças pequenas brincam de ser “outros” (pai, mãe, médico, monstro, fada, bruxa, ladrão, bêbado, polícia etc.), refletem sobre suas relações com esses outros e tomam consciência de si e do mundo, estabelecendo outras lógicas e fronteiras de significação da vida. O brincar envolve, portanto, complexos processos de articulação entre o já dado e o novo, entre a experiência, a memória e a imaginação, entre a realidade e a fantasia.
Segundo Ângela Meyer Borba a imaginação é um importante processo psicológico, iniciado na infância, que permite aos sujeitos se desprenderem das restrições impostas pelo contexto imediato e transformá-lo. “Vygotsky (1987) defende que nesse novo plano de pensamento, ação, expressão e comunicação, novos significados são elaborados, novos papéis sociais e ações sobre o mundo são desenhadas, e novas regras e relações entre os objetos e os sujeitos, e desses entre si, são instituídas.”(p.36)
É importante ressaltar que a brincadeira não é algo já dado na vida do ser humano, ou seja, aprende-se a brincar, desde cedo, nas relações que os sujeitos estabelecem com os outros e com a cultura. O brincar envolve múltiplas aprendizagens.
Um primeiro aspecto, que a autora coloca é que podemos apontar é que o brincar requer muitas aprendizagens e constitui um espaço de aprendizagem.
A brincadeira é um espaço de “mentirinha”, no qual os sujeitos têm o controle da situação. É brincando que aprendemos a brincar. É interagindo com os outros, observando-os e participando das brincadeiras que vamos nos apropriando tanto dos processos básicos constitutivos do brincar.
Outro aspecto a ressaltar, segundo a autora, é que os modos de comunicar característicos da brincadeira constituem-se por novas regras e limites, diferentes da comunicação habitual.
Faz-se necessário enfatizar que o plano informal das brincadeiras possibilita a construção e a ampliação de competências e conhecimentos nos planos da cognição e das interações sociais, o que certamente tem conseqüências na aquisição de conhecimentos no plano da aprendizagem formal.
Podemos afirmar, a partir dessas reflexões, que o brincar é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhecimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade.
BRINCADEIRA, CULTURA E CONHECIMENTO: A FUNÇÃO HUMANIZADORA DA ESCOLA
Nesse tópico Borba traz reflexões que por um lado, podemos dizer que a brincadeira é um fenômeno da cultura, representa, dessa forma, um acervo comum sobre o qual os sujeitos desenvolvem atividades conjuntas. Por outro lado, o brincar é um dos pilares da constituição de culturas da infância, compreendidas como significações e formas de ação sociais específicas que estruturam as relações das crianças entre si. Essas duas perspectivas configuram o brincar ao mesmo tempo como produto e prática cultural, ou seja, como patrimônio cultural, fruto das ações humanas transmitidas de modo inter e intrageracional, e como forma de ação que cria e transforma significados sobre o mundo.
Assim, o brincar está estreitamente associado à sua formação como sujeitos culturais e à constituição de culturas em espaços e tempos nos quais convivem cotidianamente.
Existe assim uma dinâmica entre universalidade e diversidade que se traduz em permanências e transformações, configurando o brincar como uma complexa experiência cultural que simultaneamente une e especifica os grupos sociais.
A liberdade no brincar se configura no inverter a ordem, virar o mundo de ponta-cabeça, fazer o que parece impossível, transitar em diferentes tempos – passado, presente e futuro. Contudo, essa idéia de liberdade está associada não à ausência de regras, mas à criação de formas de expressão e de ação e à definição de novos planos de significação que implicam novas formas de compreender o mundo e a si mesmo.
A autora cita a televisão como um exemplo, pois esta é um elemento externo de grande influência hoje, suas imagens e representações não são simplesmente imitadas pelas crianças, mas recriadas a partir de suas práticas lúdicas.
Conclui-se portanto que, a brincadeira é um lugar de construção de culturas fundado nas interações sociais entre as crianças. É também suporte da sociabilidade. As crianças estabelecem laços de sociabilidade e constroem sentimentos e atitudes de solidariedade e de amizade. Instituem coletivamente uma ordem social que rege as relações entre pares e se afirmam como autoras de suas práticas sociais e culturais.
É, pois, no brincar com o outro que se adquire uma experiência de cultura e um complexo processo interativo e reflexivo que envolve a construção de habilidades, conhecimentos e valores sobre o mundo, amplia os conhecimentos da criança sobre si mesma e sobre a realidade ao seu redor.
Afinal, brincar é uma experiência de cultura importante não apenas nos primeiros anos da infância, mas durante todo o percurso de vida de qualquer ser humano.
Uma excelente fonte de conhecimentos sobre o brincar e sobre as crianças e os adolescentes citada no texto, é observá-los brincando para colhermos informações importantes para a organização dos espaços-tempos escolares e das práticas pedagógicas de forma que possam garantir e incentivar o brincar.
Por outro lado, ajuda na criação de possibilidades de interações e diálogos com as crianças, uma vez que propicia a compreensão de suas lógicas e formas próprias de pensar, sentir e fazer e de seus processos de constituição de suas identidades individuais e culturas de pares. Contribuem, também, para a nossa aproximação cultural com as crianças e para compreendermos melhor a importância do brincar nas suas vidas.
Borba enfatiza que o brincar é sugerido em muitas propostas e práticas pedagógicas com crianças e adolescentes como um pretexto ou instrumento para o ensino de conteúdos, assumindo muito mais a função de treinar e sistematizar conhecimentos, uma vez que são usadas com o objetivo principal de atingir resultados preestabelecidos. É preciso compreender que o jogo como recurso didático não contém os requisitos básicos que configuram uma atividade como brincadeira: ser livre, espontâneo, não ter hora marcada, nem resultados prévios e determinados.
É importante demarcar que o eixo principal em torno do qual o brincar deve ser incorporado em nossas práticas é o seu significado como experiência de cultura.
Organizando rotinas que propiciem a iniciativa, a autonomia e as interações entre crianças; Criando espaços em que a vida pulse, onde se construam ações conjuntas, amizades sejam feitas e criem-se culturas; Colocando à disposição das crianças materiais e objetos para descobertas, ressignificações, transgressões; Compartilhando brincadeiras com as crianças, sendo cúmplices, parceiros, apoiando-as, respeitando-as e contribuindo para ampliar seu repertório; Observando-as para melhor conhecê-las, compreendendo seus universos e referências culturais, seus modos próprios de sentir, pensar e agir, suas formas de se relacionar com os outros; Percebendo as alianças, amizades, hierarquias e relações de poder entre pares.
Conclui-se, portanto, que é preciso deixar que as crianças e os adolescentes brinquem, é preciso aprender com eles a rir, a inverter a ordem, a representar, a imitar, a sonhar e a imaginar. E, no encontro com eles, incorporando a dimensão humana do brincar, da poesia e da arte, construir o percurso da ampliação e da afirmação de conhecimentos sobre o mundo. Assim, abriremos o caminho para que nós, adultos e crianças, possamos nos reconhecer como sujeitos e atores sociais plenos, fazedores da nossa história e do mundo que nos cerca.
Por: Cibele Santos Silva
MTO ÚTIL AMIGA, ADOREI A SÍNTESE!
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